quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016


Artigo publicado originalmente no Portal TEOLOGIA HOJE

TRÊS PRESSUPOSTOS DA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Por Rodrigo Walicoski Carvalho

Este artigo visa mostrar que a partir do final do século XVIII, a teologia sofreu uma grande ruptura em seus pressupostos. Influenciada pelo racionalismo especulativo de Kant e Hegel, pelo pietismo e romantismo alemães e pelos fortes ataques do Iluminismo aos aspectos sobrenaturais da fé cristã, a teologia, para não perder seu espaço dentre as áreas do saber humano, adequou-se aos novos pressupostos que se impunham e cada vez mais conquistavam novos espaços. Essas mudanças aconteceram em três esferas: na metodológica, na filosófica e na bíblica. No campo metodológico a escola da crítica literária conquistou adeptos, no campo filosófico, a metafísica platônica passou a ser descaracterizada e no campo bíblico o conceito de Reino de Deus foi revisitado e reconfigurado.

Palavras chaves: metafísica, terreno, sobrenatural, espiritual, céu, Reino de Deus/Céus


Entende-se por teologias contemporâneas aquelas que surgiram a partir do final do século XVIII provenientes das influências herdadas do teólogo alemão F. Schleiermacher. Nos últimos dois séculos a Teologia passou por abruptas mudanças, sobretudo em suas estruturas fundantes. Os pressupostos sob os quais a teologia tradicional se sustentava foram revisitados. Toda teologia que surgiu após o pensamento de Schleiermacher[1] teve que se reestruturar respeitando as novas exigências “cientificas” herdadas depois dele. Esta época foi marcada pelo forte investimento das instituições teológicas no propósito de encontrar caminhos e respostas às questões levantadas.

Havia um número excepcional de pessoas empenhadas nessa tarefa. Existiam praticamente 25 faculdades teológicas, totalmente equipadas, trabalhando, apenas na Alemanha, sem falar nas que funcionavam na Suíça alemã, cada uma observando o desenvolvimento da outra, e todas fazendo intercâmbio de seus conhecimentos, os quais giravam em torno de um tema principal comum[2]

É importante ressaltar que o presente artigo é o resultado de pesquisas e leituras organizadas de forma aleatória e introdutória. Assim sendo, os três pressupostos apontados no texto abaixo são apenas uma constatação de como a teologias contemporâneas tem se organizado e não representam necessariamente opiniões teológicas do autor.

1.    O pressuposto do método Histórico-Crítico

Em pleno iluminismo, depois de sofrer diversas influências das ciências humanas e principalmente da filosofia, a teologia se obrigou a adequar-se, de variadas formas, às novas tendências delimitadas pelo método teológico que passou a ganhar espaço nas discussões acadêmicas: o método histórico crítico. Este método é resultado direto da radical crítica racionalista que crescia absoluta em meados do século XVIII. Com isto, para manter seu lugar de diálogo com outras disciplinas do pensamento humano, os novos teólogos tiveram que encarar o desafio de uma teologia mais alicerçada em aspectos humanos e terrenos em comprometimento com fontes históricas e arqueológicas e menos em teologias especulativas e metafísicas. Com isto, a teologia passou a se debruçar no humano[3] e para o humano[4]. É importante dizer que haviam dois tipos de teólogos que se comprometeram com esta escola crítica: aqueles que aceitavam o método juntamente com os pressupostos radicais de negação de todo sobrenatural (Deus, milagres, etc), e aqueles que não absorviam estes pressupostos de crítica radical [5'].
Pode-se dizer que com a obra de Schleiermacher, que inspirou-se em Kant, a teologia deu início a essa nova etapa. Para quem não estuda cuidadosamente os impulsos e as direções por ele traçados, tanto as boas quanto ruins, tornam-se incompreensíveis a presente situação e direção da teologia contemporãnea. Dois fatores contribuíram como aspectos formadores da metodologia nascente. Tanto o pietismo por um lado (de caráter mais ético que especulativo) e o racionalismo por outro (de vertente mais natural e lógica que sobrenatural e espiritual) apresentam elementos formadores do criticismo bíblico. O pietismo se caracteriza pelo afastamento da teologia escolástica especulativa interessada na formulação de dogmas, que segundo ele não tinham nenhuma relação com a vida das pessoas. Por um caminho diferente, o racionalismo radical concluiu que “doutrinas da divindade de Cristo, do pecado original, do perdão mediante a cruz, dos sacramentos e dos milagres foram abandonadas, às vezes, com tom depreciativo”[5]. Schleiermacher, em seus “Discursos”, respondendo aos eruditos que o menosprezavam, busca reinterpretar alguns conceitos tradicionais da dogmática cristã, como revelação, milagres e inspiração. Ele afirma:

“Rechaçais os dogmas e as proposições da religião? Muito bem, rechaçaio-os. Em todo caso, não são eles a essência da religião. A religião necessita deles. Só a reflexão humana acerca do conteúdo de nossos sentimentos religiosos requer tais dogmas e lhes dão origem. Dizeis que não podeis contentar-vos com milagres, revelação e inspiração? Tendes razão. Já não somos crianças. O tempo dos contos de fada já  passou. Simplesmente abandonem a fé em todas essas coisas e eu vos mostrarei milagres, revelações e inspirações de outra e mui distinta classe. Para mim, tudo o que guarda relação imediata com o Infinito, com o Universo, é um milagre. E toda coisa finita guarda tal relação, portanto, encontro nela um sinal do infinito.[6]

A revisão de questões metodológicas não pôde ser feita isoladamente. Quando se alterou o método, toda a construção teórica teve que se reajustar. Um resultado característico destas mudanças redundou inevitavelmente na busca pelo Jesus histórico[7]. A teologia passou a ser considerada mais “científica” à medida que se distanciava de conceitos abstratos, ou seja, que não mantinham nenhuma relação com realidades concretas. Quanto mais sobrenatural era a teologia, menos relevância passou a ter no contexto científico e teológico da modernidade e, posteriormente, da pós-modernidade. Nesta linha, Rudolf Bultmann afirmou em “Jesus Cristo e a mitologia”:

A visão bíblica do mundo é mitológica e, portanto, é inaceitável para o homem moderno, cujo pensamento tem sido modelado pela ciência e já não tem mais nada de mitológico. O homem se serve sempre dos meios técnicos, que são o resultado da ciência. Em caso de enfermidade, recorre aos médicos e à sua ciência médica. Se se trata de assuntos econômicos e políticos, utiliza os resultados das ciências psicológicas, sociais, econômicas e políticas, e assim sucessivamente. Ninguém conta com a intervenção direta de poderes transcendentais.[8]

Vemos, assim, que houve grande investimento de diversos pensadores no objetivo de desqualificar toda teologia que não estivesse conforme as exigências metodológicas impostas pela nova forma de pensar.

2.    O pressuposto da desconstrução da metafísica

Kant não rejeitou completamente a metafísica, mas investiu fortemente contra todos os conceitos especulativos na religião, que ele reduziu a razão prática de cunho ético. A análise metafísica de Kant teve como resultado a compreensão da limitação epistemológica do homem, conforme descoberto por Hume. Contudo, diferente de Hume, Kant não acreditava que essa limitação exigiria uma rejeição dos conceitos metafísicos.[9] Quando escreveu a Crítica da Razão Pura (1781), Kant buscou fundamentar a metafisica em bases mais firmes. Para esta finalidade, buscou mostrar a fragilidade das supostas provas teóricas dos postulados metafísicos relacionados a religião. Com isto, essa obra Kantiana desfez os laços da razão “pura” (especulativa)[10] na esfera religiosa. Kant apenas preservou os postulados metafísicos que julgava necessários para tornar clara a extensão religiosa relacionadas ao ser humano (Deus, imortalidade, liberdade, etc.). Deste modo, Kant reservou ao divino, somente os atributos indispensáveis para apresentar Deus como agente da moral[11].
Kant deixou sua marca no iluminismo subsequente. Os pensadores desta época não queriam considerar dogmas dos antigos somente porque pertenciam à tradição recebida pela igreja dominante. A razão, recém descoberta, a partir de agora auxiliava cada sujeito de modo que a hierarquia eclesiástica foi destronada e abalada em sua autoridade.

Porém, talvez mais fundamental ainda para a revolução científica que introduziu o Iluminismo tenha sido a mudança na forma de compreender o mundo físico em si e a maneira correta de encará-lo. Essa mudança foi marcada por uma substituição da terminologia qualitativa pela quantitativa. Seguindo Aristóteles, as ciências medievais haviam se concentrado nos “princípios naturais”, que eram compreendidos em termos da tendência “natural” de todo o objeto de cumprir o seu propósito interior. O Iluminismo, entretanto, rejeitou a discussão medieval do “propósito interior”, considerando-a especulação metafísica[12].

Algum tempo depois, ao lermos as obras de Schleiermacher, percebemos que sua terminologia ainda apresenta aspectos que demonstram seu comprometimento com a metafísica e com a epistemologia platônica.[13]

Na Dialética encontra-se a teoria de Schleiermacher a respeito da arte de pensar. Para ele, como também para Platão, o desenvolvimento da teoria conduz ao campo da epistemologia e da metafísica. Segundo ele, o propósito do pensamento é chegar ao conhecimento, e este, por sua ordem, requer duas classes de correspondência: em primeiro lugar, que deve existir entre o ideal e o real; e, em segundo lugar, que deve existir entre os pensamentos de distintas pessoas[14].

Foi apenas com o teólogo Ritschl que a metafísica começou a ser atacada. Ritschl rechaçava com ênfase toda dependência da teologia com a metafisica. Para ele, essa relação era uma mistura indevida do conhecimento religioso com o filosófico. Ele argumentava que as provas filosóficas da existência de Deus não pertencem a esfera do conhecimento científico, pois tratam Deus como um objeto de interesse teórico, enquanto o verdadeiro conhecimento religioso acerca de Deus jamais pode tratá-lo como um objeto, como uma simples parte dos elementos do mundo. A teologia só está interessada em Deus a medida que ele afeta moralmente a vida das pessoas, ajudando-as a alcançar o bem maior.[15]

O método teológico de Ritschl tem uma afinidade impressionante com a filosofia de Kant. O contato de Ritschl com Kant deu-se através de Hermann Lotze, um filósofo em Gottingen que procurou aprimorar o ceticismo de Kant e, ao mesmo tempo, manter sua epistemologia básica. Apesar de haver muita controvérsia acerca da influência de Kant e Lotze sobre Ritschl, uma coisa pode-se dizer com certeza: Ritschl seguiu Kant ao procurar eliminar a metafísica de dentro da teologia e aproximar ao máximo a religião da ética. Ele rejeitou todas as especulações sobre a natureza de Deus em si, isoladas de seu impacto sobre os seres humanos[16]

Ritschl não achou importante falar de trindade, por exemplo, visto que essa doutrina se refere ao ser interior de Deus, estando numa esfera superior, sem uma relação Dele com o mundo. Ele considerava impossível articular esse tipo de doutrina em termos de julgamento de valores, de modo que, não encontrava importância em atributos tradicionais de Deus de âmbito metafísico, como é o caso da onipotência, onisciência, e onipresença. Ritschl não os negava totalmente, porém não lhes dava a mesma atenção que a tradição teológica do passado, pois, os considerava conhecimentos especulativos e não religiosos. Para ele, a declaração “Deus é amor” era considerava de suma importância. A essa expressão, se somava que a fé cristã necessita que Deus seja pessoal e transcendente ou “além do mundo”[17].
Alguns anos mais tarde, o teólogo Karl Barth foi profundamente influenciado pelo pensamento de Ritschl. Seguindo a escola Ritschliana, Barth assume tanto o método histórico crítico, quanto a pretensão de Ritschl de excluir a metafísica da teologia. Nesta linha, Barth esclarece em seu “Esboço de uma dogmática”:

Enquanto cristãos, nós não saberíamos aceitar deixar-nos alienar por uma teoria desse gênero, não importa qual, seja antiga ou, ao contrário, que tenha todos os atrativos da novidade. Sobretudo, não temos o direito de ligar a causa da Igreja a uma ou outra concepção do mundo. Uma concepção do mundo implica algo mais do que uma simples imagem do mundo, no sentido em que ela subentenda certa interpretação filosófica e metafísica do homem. Oxalá a Igreja e os cristãos não queiram se deixar levar por esse terreno tão perigosamente vizinho da "esfera religiosa"! A Bíblia, no que ela tem de decisivo, o Evangelho de Jesus Cristo, não nos diz, em nenhum lugar que temos de adotar essa ou aquela concepção de mundo[18].

Para Barth, não existe mundo humano in abstracto. Barth afirma que o homem estaria enganando a si mesmo, recusando-se a reconhecer que esse mundo que ele compreende, se acha limitado por um outro mundo que ele não compreende[19].
Outro teólogo contemporâneo chamado Albert Schweitzer destaca Hermann Reimarus como o primeiro teólogo a se dedicar seriamente a tarefa do Jesus Histórico, desprovido de todo sobrenaturalismo e metafísica[20]. Ele afirma que “se, portanto, queremos chegar a uma compreensão histórica dos ensinamentos de Jesus, devemos deixar para trás o que aprendemos no catequismo acerca da metafísica: Filiação Divina, a Trindade, e conceitos dogmáticos semelhantes, e mergulhar num mundo mental totalmente judaico”[21].

Para a maioria dos teólogos contemporâneos, a metafísica entrou na teologia por intermédio do apóstolo Paulo. Em seus escritos, Paulo demonstra uma profundo comprometimento com idéias platônicas. Essa influência platônica é que introduziu a metafísica na teologia e na dogmática. Assim, toda teologia foi afetada por idéias filosóficas e humanas, que não estavam presentes no ensino de Jesus.

Ao que parece, só uma coisa permaneceria intacta – os ensinamentos de Jesus. Entretanto, nem mesmo esse corpo de doutrina poderia ser aceito tal como se encontrava. Algumas adições e obscuridades que lhe eram estranhas deviam ser eliminadas, já que se deviam indiretamente ao pensamento rabínico ou à filosofia grega. O principal causador dessa confusão foi São Paulo. Em seu modo todo particular de entender os simples ensinos éticos de Jesus, adulterou-os com boas doses de especulações judaicas. Mais tarde, o platonismo se apresentou com os gnósticos, e o neoplatonismo também exerceu sua influência por meio de incautos pensadores, para quem o gnosticismo era anátema. Assim, pouco a pouco, os ensinos de Jesus se perderam por trás de uma cortina metafísica que a Igreja havia construído ao redor deles. Ao final do século XIX, surgiu o desejo de ir mais além da fé em Cristo e chegar à singela religião de Jesus[22]

Numa era em que a teologia cristã era cada vez mais acusada de ser irrelevante ao progresso ético devido a sua concentração em um outro mundo, Ritschl usou de sua capacidade espiritual e intelectual para mostrar o poder moralizador da verdade cristã central da redenção da humanidade no reino de Deus. Como resultado de sua influência, toda uma geração de pastores e professores cristãos desenvolveu o “evangelho social”.

3.    O pressuposto do Reino de Deus

O tema Reino de Deus já recebeu ao longo da história as mais diversificadas interpretações. Na história da teologia o modo como o Reino de Deus foi interpretado influenciou diretamente o comportamento eclesiástico e social em cada tempo histórico. O entendimento acerca do tema Reino de Deus, tem, em todo sistema teológico, um status diferenciado, visto que este tema foi maciçamente repetido em todo ensino de Jesus. A clara consciência sobre a importância que o tema Reino de Deus tem para um fazer teológico impõe-se para um bom entendimento das atuais vertentes teológicas. Tais vertentes estão diretamente relacionadas com a cosmovisão que pouco a pouco se impõe no cenário religioso e cultural da atualidade. De modo geral, as cosmovisões das sociedades contemporâneas destacam os aspectos terrenos da vida humana.
O Reino de Deus, na perspectiva das novas teologias contemporâneas, sofreu uma drástica releitura a partir de teólogos que constroem suas teologias dentro das novas metodologias impostas pela teologia moderna e pós-moderna caracterizada fortemente pela rejeição à metafísica. A partir de uma releitura dos evangelhos, sobretudo do tema “Reino de Deus” interpretado segundo uma realidade terrena e material, os teólogos contemporâneos absorvem o novo viés metodológico revisitado a partir de Scheiermacher e revisto por meio de Ritschl e Harnach e mais tarde por grande parte dos teólogos contemporâneos. No pensamento de Ritschl, percebe-se claramente o objetivo de substituir a metafísica pela concepção do Reino de Deus. Talvez o aspecto mais controverso da teologia de Ritschl seja a sua cristologia. Mais uma vez, o Reino de Deus se tornou o centro controlador de sua doutrina, sendo que Ritschl o utilizou como substituto dos aspectos da doutrina tradicional que ele considerava especulativos e metafísicos.

Para Ritschl, o reino de Deus não é apenas o bem maior e o mais alto ideal da humanidade, é também o bem maior e o mais alto ideal de Deus. Talvez esse seja o aspecto que mais chame a atenção na doutrina de Ritschl acerca de Deus. Para ele, a finalidade própria de Deus, sua razão de ser, por assim dizer, é a mesma que a nossa - o reino de Deus. Apesar de reconhecer a transcendência de Deus, essa identificação do ser de Deus com o desenvolvimento de seu reino no mundo leva a teologia de Ritschl para a direção da imanência. Certamente, teólogos liberais que vieram depois dele chegaram a essa conclusão e, no geral, a ênfase da doutrina do liberalismo acerca de Deus estava na imanência dentro da História e não na transcendência sobre ela[23].

Seguindo os passos desta escola, os conceitos teológicos de transcendência, oriundos da teologia paulina helenística[24], no pensamento dos teólogos contemporâneos, passaram a ganhar novos contornos, sempre orientados pelo novo referencial teórico do Jesus histórico, sempre mais ético que sobrenatural, sempre mais humano que divino. Assim, teólogos contemporâneos passaram a fabricar teologia a partir de um referencial metodológico diferente do paradigma da Reforma Protestante. Do Paulo das especulações metafísicas[25] mudou-se para o Jesus histórico e ético[26]. Da cruz que leva ao céu metafísico, mudou-se para o Reino de Deus terreno e material. Segundo Barth:

O próprio homem é uma criatura situada no limite do céu e da terra, ele está sobre a terra e sob o céu. Ele é o ser capaz de compreender seu meio natural, o mundo aqui em baixo; é-lhe permitido ter a posse sobre ele pelos seus sentidos e pela sua inteligência, numa palavra, dominá-lo: "Eis que tu tens tudo posto sob seus pés!" (SI 8.6). É, dentro do quadro que lhe é próprio, o ser livre por excelência. Mas ele permanece colocado sob o céu: face à face com os invisibilia, as coisas invisíveis, incompreensíveis e inacessíveis à sua razão, ele permanece absolutamente impotente e dependente.[27]

O tema Reino de Deus surgiu com ampla importância no cenário teológico num tempo relativamente recente. Apesar de ser citado repetidamente por Jesus como assunto mais importante de seu ensino, ele foi de certa forma negligenciado pelas teologias reformadas. Depois do iluminismo, com uma ênfase demasiada sobre o homem e sua religião ética, os teólogos obrigaram-se a adequar seus discursos para não correr o risco de entrarem em “extinção”. Foi a partir daí, que os novos teólogos perceberam a necessidade de reposicionarem a teologia num lugar de continuidade acadêmica. Schleiermacher é considerado o responsável por “salvar” a religião da avalanche iluminista. Mas, sua contribuição teve fortes efeitos colaterais. Seu pensamento abriu margem para novas análises que resultaram na teologia liberal e no método histórico-crítico. A partir daí, a teologia tradicional com sua clara roupagem helenística/metafísica/celestial/espiritual perdeu espaço no cenário acadêmico para dar lugar a uma teologia de Reino de Deus mais existencial/física/terrena/material.

Rodrigo Walicoski Carvalho é mestrando em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná no tema: O Reino de Deus como chave hermenêutica das teologias contemporâneas. Possui graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (2006). Cursou Filosofia na Universidade Federal do Paraná e é Pós Graduado na área de Educação a Distância. É autor de diversos livros na área da Teologia e da Filosofia. Atualmente é Diretor Pedagógico do INSTITUTO HOKMA. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Filosofia. É casado com Paula S. W. Walicoski Carvalho e pai de Ester S.W. Walicoski Carvalho





[1] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 15.
[2] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 14.
[3] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003,  p. 15.
[4] VANHOOZER, Kevin. Há um significado neste texto? Interpretação Bíblica: os enfoques contemporâneos. Editora Vida, São Paulo, 2005, p. 26, 51, 56.
[5] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 24
[5] STUHLMACHER, Peter. Historical criticism and theological interpretation of Scripture: toward a hermeneutics of consent. Philadelphia: Fortress, 1977, Este autor adota posição moderada em relação ao método histórico crítico. Ele mantém o método e rejeita os pressupostos radicais. MULLER, Ênio. O método histórico-crítico – uma avaliação, em FEE, Gordon, e STUART, Douglas. Entendes o que lês? 4. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997, p. 237-318. Este autor segue a posição de STUHLMACHER.
[6] SCHLEIERMACHER, Friedrich, D. F. Sobre a Religião: Discurso aos seus menosprezadores eruditos. Novo Século. São Paulo, 2000, p. 68.
[7] SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. Novo século, São Paulo, 2003, p. 25.
[8] BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. Novo século. 3ª edição, São Paulo, 2005, p. 29-30.
[9] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 28.
[10] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 29.
[11] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 33.
[12] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 18.
[13] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 48, 51.
[14] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 48
[15] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 61.
[16] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 62.
[17] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 63.
[18] BARTH, Karl. Esboço de uma dogmática. Fonte Editorial. São Paulo, 2006, p. 80.
[19] BARTH, Karl. Esboço de uma dogmática. Fonte Editorial. São Paulo, 2006, p. 84.
[20] SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. Novo século, São Paulo, 2003, p. 22.
[21] SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. Novo século, São Paulo, 2003, p. 26.
[22] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 25
[23] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 63.
[24] MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004, p. 25
[25] Esses teólogos, oriundos das escolas de Ritschl e mais tarde com Harnach e Schweitzer, buscam apenas o Jesus da história e negam a divindade de Cristo. Eles buscam excluir toda metafísica paulina do discurso de Jesus. Ritschl faz isso com veemência, ver GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 65.
[26] GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003, p. 59, 61, 64.
[27] BARTH, Karl. Esboço de uma dogmática. Fonte Editorial. São Paulo, 2006, p. 85.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTH, Karl. A proclamação do evangelho. Novo Século. São Paulo, 2001
_____________. Carta aos Romanos. Novo Século. São Paulo, 2008.

BARTH, Karl. Esboço de uma dogmática. Fonte Editorial. São Paulo, 2006

BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. Novo século. 3ª edição, São Paulo, 2005.

CULLMANN, Oscar. Das Origens do Evangelho à formação da Teologia Cristã. Novo Século. 2ª edição. São Paulo, 2000

GRENZ, Stanley J. e OLSON, Roger E. A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, São Paulo, 2003.

GRENZ, Stanley J. Pós-modernirnismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. Vida Nova, São Paulo, 1997.

_______________. Teologias contemporâneas. Vida Nova. São Paulo, 2008.

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. Edições Loyola, São Paulo, 1998.

HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Concórdia: 7ª edição, Porto Alegre, 2003.

MACKINTOSH, Hugh, R. Teologia Moderna: de Schleiermacher a  Bultmann. Novo Século, São Paulo, 2004.

SCHLEIERMACHER, Friedrich, D. F. Sobre a Religião: Discurso aos seus menosprezadores eruditos. Novo Século. São Paulo, 2000.

___________________________________. Hermenêutica: A arte e técnica da interpretação. Editora Vozes. 3ª edição. Petrópolis, 2001.

SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. Novo século, São Paulo, 2003.

VANHOOZER, Kevin. Há um significado neste texto? Interpretação Bíblica: os enfoques contemporâneos. Editora Vida, São Paulo, 2005.

Artigo publicado originalmente no Portal TEOLOGIA HOJE

A DESCONSTRUÇÃO DA VERDADE ÉTICA

Por Rodrigo Walicoski Carvalho

Este artigo visa demonstrar que o projeto da pós-modernidade de desconstruir e desfragmentar o conceito judaico-cristão de verdade descaracteriza e desqualifica a Ética Cristã em particular e a Ética em geral. Deste modo, o pensamento pós-moderno traz grandes desafios para a sustentação do discurso moderno de uma Ética universal, absoluta e transcendente.

Palavras chaves: verdade, ética, ética cristã, moderno, pós moderno

Atualmente, crescem em grande escala os desafios que permeiam os cidadãos, e em particular os cristãos, que buscam um padrão ético para seu comportamento. Essa dificuldade é devida, principalmente, as mudanças de mentalidade característica de uma época de profundas transformações. O pós-modernismo é conhecido por questionar, desconstruir e desfragmentar praticamente todos os padrões e conceitos tão enraizados na cultura cristã do Ocidente. Depois do projeto iluminista, a ciência moderna deu-nos possibi­lidades que agravaram antigos problemas éticos e introduziram novas perple­xidades. Deste modo, muitos temas éticos ganharam destaque no cotidiano das pessoas resultado justamente destas mudanças culturais que se apresentam nos tempos em que vivemos. O aborto, a ideologia de gênero, a eutanásia, a bioética, dentre outros, são exemplos de assuntos que precisam de respostas de uma Ética em geral e de uma Ética Cristã em particular, pois fazem parte do dia a dia de cidadãos que buscam repostas para um padrão ético de comportamento.

1.    Definições e conceituações

Ética é uma palavra grega que vem do substantivo êthos que significa costume ou hábito. Logo, podemos definir ética como a ciência que estuda os costumes, os hábitos, a conduta ou o comportamento do ser humano na sociedade em geral. Em outras palavras é a “ciência normativa do agir do ser humano em vista do seu fim último”. Para ser normativa, a ética precisa de padrões e referenciais claros e bem fundamentados. É amplamente aceito por historiadores, filósofos e cientistas sociais que as normativas que orientam a ética ocidental foram extraídas das Escrituras Sagradas. É por isso que esta última definição está intimamente relacionada com uma tradição costumeiramente aceita, que a ética foi construída a partir de uma cosmovisão judaico-cristã que constitui a modernidade ocidental. Isso porque definir a ética a partir de uma percepção normativa pressupõe que existe um padrão universal de comportamento acerca de como os seres humanos deveriam agir.
Assim chegamos a definição de Ética, que está totalmente comprometida com os valores e princípios universais ensinados pelas Escrituras Sagradas e na pessoa de Jesus Cristo e que foram estabelecidos a partir de uma idéia de verdade transcendente e de um Bem absoluto que norteia todas as noções de certo e errado no comportamento humano.
Cabe aqui também citar que a diferença entre as conceituações de Ética e Moral sempre foi um assunto de debates e controvérsias no estudo do comportamento humano. Vale destacar, que neste artigo, trabalharemos com os dois conceitos indistintamente, entendendo que eles se referem aos mesmos comportamentos em geral.
Conforme o conceito apresentado, queremos também destacar que a Ética, conforme tradicionalmente definida, a partir de pressupostos iluministas, vêm sofrendo nas últimas décadas uma transformação em suas bases. Assim como todo pensamento pós-moderno, a Ética tradicionalmente aceita vem sofrendo profundos ataques desde o final do séc. XVIII, sobretudo por causa da filosofia pós-moderna que avança a largos passos conquistando novos adeptos no meio acadêmico e na cultura em geral. Diversos pensadores vêm apresentando os alicerces deste novo cenário intelectual que investe fortemente contra os princípios e valores que constituem a mentalidade ocidental. Com isto, ideias fundamentais como a verdade absoluta e transcendente estão sendo questionados e substituídos por novos conceitos bem mais relativos. Diversos pensadores, principalmente depois de F. Nietzsche, têm investido fortemente para desfragmentar os conceitos balizares do pensamento moderno, cujo um de ser principais representantes foi o filósofo de Immanuel Kant.
Kant estabeleceu filosoficamente o fundamento de uma Ética baseada na razão humana. Seguindo o pressuposto de uma Ética Cristã transcendente e universal constituída pela cosmovisão cristã, Kant se referia ao modo racional de viver como “dever ser”. Para ele, a direção de uma moralidade universal caminhava para o que ele chamou de “imperativo categórico”. Para Kant, os comportamentos morais deveriam seguir os princípios que gostaríamos de ver todas as pessoas cumprindo. Esse imperativo da razão é que deveria guiar as ações das pessoas enquanto seres racionais, testando se eles deveriam ser universalizados. Sobre isto, nos esclarece Grenz:

Assim como o aspecto teórico, prossegue Kant, essa dimensão prática ou moral da existência humana é fundamentalmente racional. Ele estava convencido de que certos princípios racionais controlam todos os julgamentos morais válidos, exatamente como outros princípios racionais acham-se na base de todo conhecimento teórico edificado sobre o conhecimento[1].

Assim, a modernidade expressamente se fundamentava em pressupostos metafísicos comprometidos com a cosmovisão cristã que apelava para um Deus transcendente e absoluto.

2.    A Ética Cristã como verdade revelada

Segundo a revelação bíblica, Deus (Jesus) é a verdade que se apresentou e revelou sua vontade de modo proposicional ao inspirar pessoas escolhidas para esta finalidade. Deste modo, o Deus revelado é a base epistemológica que sustenta a Ética Cristã em particular e a Ética em geral. Isso não quer dizer que as Escrituras seja um livro de normas éticas para cada situação, mas, ela é suficiente e possui todas característica e premissas necessárias para a formatação de uma concepção de mundo que conduzirá a formação de uma Ética Cristã. A Ética Cristã parte da premissa do Deus revelado em Jesus Cristo sendo a única e absoluta verdade, o criador do universo e de todos os homens. Nele todos devem crer, obedecer e reconhecer como Deus que expressa sua vontade em princípios que se desdobram em valores éticos. Esta atitude é requisito indispensável para possibilidade da Ética Cristã, pois é somente pela revelação bíblica que se pode extrair conceitos a respeito do universo e da humanidade e deste modo diferenciar o certo do errado. Se não for desta forma, não haverá nenhuma referência para dar a significação final das palavras a fim de que possamos discernir e diferenciar o certo do errado, pois, de outro modo, estaremos obrigatoriamente partindo de algo impessoal e desconhecido. [2]É por este motivo que a Ética Cristã precisa necessariamente de um padrão normativo. Uma referência de autoridade precisa ser adotada como fundamento para a Ética. A Ética Cristã e a Ética em geral estão vinculadas a esse referencial absoluto, seja religioso, seja racional. Assim, todas as questões que envolvem a opção entre o certo e errado devem ser determinadas pelo caráter absoluto de Deus  [3]Para que a ética possa se sustentar, é necessário assegurá-la a partir de um ser absoluto e eterno, atemporal e além do mundo. Essa compreensão nos conduz para a ideia de um Deus perfeito em questão ética que seja fonte e origem da verdade moral que estará intrinsicamente relacionada com a Ética Cristã  [4].

3.    A desconstrução do conceito de verdade e os desafios para Ética

Desde o final do séc. XVIII, após o desfecho do iluminismo, pensadores tem se aplicado para superar o pensamento produzido pela modernidade. Deste tempo para cá, a sociedade entrou em um movimento de transformações intelectuais e culturais de proporções grandiosas. O pensamento pós-moderno tornou-se então uma tendência. Essa atitude intelectual, comprometida com uma série de expressões culturais, colocaram em cheque os ideais, princípios e valores que se achavam no centro da estrutura mental moderna. Como afirma Grenz:

Além disso, parece que estamos sofrendo uma transformação cultural mais ampla. Estamos deixando a era moderna, com sua base na busca de uma ver­dade supra-cultural e abrangente, que incluía a procura da ética universal única, para atravessar as águas desconhecidas do pós-modernismo[5]

Os pós-modernos acreditam que não apenas nossas crenças, particulares, mas também a própria concepção de verdade estão enraizadas na comunidade da qual participamos. Eles rechaçam a busca moderna da verdade universal, supra-cultural e eterna e dão valor a busca da verdade como expressão de uma comunidade humana particular. De acordo com os pós-modernos, a verdade consiste nas regras básicas que facilitam o bem estar pessoal na comunidade e o bem estar da comunidade como um todo.

Nesse sentido portanto, a verdade pós moderna tem a ver com a comunidade de que participa o indivíduo. Uma vez que são muitas as comunidades humanas, necessariamente serão muitas também as diferentes verdades (...). A consciência pós-moderna, portanto, implica um tipo radical de relativismo e pluralismo[6]

Pouco a pouco, o conceito de verdade transcendente e universal foi sendo desfragmentada e o que foi colocado em seu lugar foi a compreensão de uma verdade relativa ao contexto particular. Estes pensamentos afetaram diretamente a Ética em geral, conforme comumente definida, e a Ética Cristã em particular, que fundamenta-se claramente em preceitos e verdades universais e absolutas ensinados por Jesus Cristo.

Os pós modernos não estão também, necessariamente, preocupados em provar que estão “certos” e os outros “errados”. Para eles, as crenças são, em última análise, uma questão de contexto social e, portanto, é bem provável que cheguem a conclusão de que “O que é certo para nós, talvez não seja o que é certo para você” e “O que está errado em nosso contexto, talvez seja aceitável ou até mesmo preferível no seu”.[7]

Foi por este viés que todos os pós-modernos desde Nietzsche buscaram descaracterizar o conceito tradicional de verdade absoluta e transcendente e pôr em seu lugar o conceito de verdade relativa. Esta feita, não somente comprometeu a Ética Kantiana de pretensões universais, fundada na razão humana, como a Ética Cristã, fundada em princípios absolutos e universais divinos, encarnados em Jesus Cristo.
O ponto máximo do espírito amoral da pós modernidade expressou nas obras “Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro” e “Genealogia da Moral”, ambas de F Nietzsche, seu mais substancial desenvolvimento. Nestas obras, Nietzsche ataca o nascedouro da moral ocidental que se fundamenta em princípios absolutos sustentáculos da modernidade. Numa tonalidade ofensiva e radical, Nietzsche visa denunciar as concepções e valores cristãos impregnados na civilização europeia em que norteiam todos os padrões de comportamento e de decência.

A fé cristã é, desde seus primórdios, sacrifício, sacrifício de toda liberdade, de toda independência do espírito; ao mesmo tempo, escravização e escárnio de si mesmo, mutilação de si[8].

Ter acrescido o Novo Testamento, que é uma espécie de rococó do gosto sob todos os aspectos, ao Velho Testamento, formando assim a "Bíblia", o "livro" por excelência, é talvez a maior temeridade, o maior "pecado contra o espírito" que a Europa literária tem na consciência[9].

Nietszche queria demonstrar que os valores e princípios cristãos, veladamente sempre estiveram presentes nas construções filosóficas do Ocidente.

Passo a passo, fui descobrindo que até o presente, em toda grande filosofia se encontram enxertadas não apenas a confissão espiritual, mas suas sutis "memórias", tanto se assim o desejou seu autor quanto se não se apercebeu disso. Mesmo assim, observei que em toda filosofia as intenções morais (ou imorais) constituem a semente donde nasce a planta completa. Com efeito, se queremos explicar como nasceram realmente as afirmações metafísicas mais transcendentes de certos filósofos, seria conveniente perguntar-nos antes de tudo: A que moral querem conduzir-nos?[10]

Nietzsche também ataca Kant:

A hipocrisia rígida e virtuosa com que o velho Kant nos leva por todas as veredas de sua dialética para nos induzir a aceitar seu imperativo categórico, é um espetáculo que nos faz sentir o imenso prazer de descobrir as pequenas e maliciosas sutilezas dos velhos moralistas e dos pregadores[11]

Para Nietzsche, o homem superior (super homem) teria que ser amoral. A filosofia do futuro deveria ser amoral. Ele afirmava que a faculdade moral de Kant é injustificável[12] e impraticável. O claro objetivo de Nietzsche era desqualificar a fé cristã como portadora de valores e princípios fundamentais para a Ética em geral.

Nietzsche acusa os moralistas filosóficos de evitarem buscar a conclusão de que a moralidade, tal como o conhecimento intelectual, é simplesmente um costume local ou uma expressão de sentimentos duvidosos. Ele ataca esses pensadores, especialmente os teólogos cristãos, por afirmarem impropriamente que suas crenças racionais são racionais, universais e axiomáticas.[13]

Deste modo, conforme as reflexões desenvolvidas neste artigo, entendemos que a desconstrução e desfragmentação do conceito tradicional de verdade inviabiliza o projeto de uma Ética Cristã e consequentemente de uma Ética em geral. Não há como falar em Ética Cristã sem um padrão de referência absoluto e externo comprometido com os valores e princípios que estão intimamente ligados aos atributos divino claramente revelados nas Escrituras e nos ensinos de Jesus Cristo.

Rodrigo Walicoski Carvalho é mestrando em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná no tema: O Reino de Deus como chave hermenêutica das teologias contemporâneas. Possui graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (2006). Cursou Filosofia na Universidade Federal do Paraná e é Pós Graduado na área de Educação a Distância. É autor de diversos livros na área da Teologia e da Filosofia. Atualmente é Diretor Pedagógico do INSTITUTO HOKMA. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Filosofia. É casado com Paula S. W. Walicoski Carvalho e pai de Ester S.W. Walicoski Carvalho






[1] GRENZ, Stanley. Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova 1997  p. 120.
[2] SCHAEFFER, Francis A. O Deus que se revela. São Paulo, Cultura Cristã, 2002 p. 62.
[3] SPROUL, R.C. Discípulos Hoje. São Paulo, Cultura Cristã, 1998 p. 221
[4] ORR, James. Concepción Cristiana de Dios y el Mundo. Terrassa, CLIE, 1992 p.139
[5] GRENZ, Stanley. A Busca da Moral. São Paulo: Vida 2006 p. 13.
[6] GRENZ, Stanley. Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova 1997   p. 33
[7] GRENZ, Stanley. Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova 1997   p. 34
[8] NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001. p. 58
[9] NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001. p. 64
[10] NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001. p. 15
[11] NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001. p. 14-15
[12] NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001. p. 20
[13] GRENZ, Stanley. Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova 1997   p. 139



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


GEISLER, Norman L. Ética Cristã: Alternativas e Questões contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 1988.

GRENZ, Stanley. A Busca da Moral. São Paulo: Vida 2006.

GRENZ, Stanley. Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova 1997.

GUNDRY, Stanley, Editor. Deus mandou matar? 4 Pontos de vista sobre o genocídio cananeu. São Paulo: Vida, 2006.

HARE, John. Por que ser bom? São Paulo: Vida, 1988.

HENRY, Carl. Dicionário de Ética Cristã. Cultura Cristã, São Paulo, 2007.

NIETZSCHE, Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Curitiba: Hemus S.A, 2001.

ORR, James. Concepción Cristiana de Dios y el Mundo. Terrassa, CLIE, 1992

SCHAEFFER, Francis A. O Deus que se revela. São Paulo, Cultura Cristã, 2002

SPROUL, R.C. Discípulos Hoje. São Paulo, Cultura Cristã, 1998

STOTT, R. W. Jonh. A contracultura cristã: A mensagem do sermão do monte. ABU, São Paulo, 1981.